" O PARDELHO" - Odisseia em Madrid
Regra geral, em todos os grandes acontecimentos há sempre uma história que merece ser contada. Ou por se tratar de uma curiosidade, ou pelo seu teor cómico, ou porque nos comove... há histórias que não devemos guardar só para nós, sob pena de se tornarem um peso demasiado grande na nossa memória, que uma simples partilha poderia aliviar. Há já algum tempo que trago em mente contar aos que me lêm, a fascinante história do "Pardelho" - um homem "de ferro" com a frágil alcunha de um passarinho! Tudo começou aínda em 2009, estariamos no verão. Tendo interiorizado a brilhante ideia de correr a minha primeira maratona, lia tudo o que via relacionado com o tema. O site da prova de Madrid não me escapou, obviamente, e o que li e vi convenceu-me! Iria correr a mítica Maratona de Madrid. Desde logo que os meus amigos destas andanças se tornaram "vitimas" dos meus assíduos bombardeamentos com comentários, apreciações, elogios e outros incentivos à formação de um "grupinho" que "alinhasse" nesta aventura. O Zé Costa ("Pardelho") foi um deles... e foi o primeiro que me disse: "Castro, conta comigo! Eu alinho!..." Faltavam nove ou dez meses, mas a "febre" já era alta! E daí por diante não parou mais. |
O "grupinho" depressa se formou. Houve fases em que era um grupo grande, mas foi-se ajustando até ficarmos só quatro: o Zé Costa, o Manuel Cunha, o Zé Ribeiro e eu mesmo.
Obviamente que os treinos específicos para essa corrida não se iniciaram de imediato. Muitos meses estavam ainda pela frente. Mas nem por isso o "Pardelho" deixava de me interpelar frequentes vezes: - "Então amigo Castro, como estamos em relação a Madrid?..." E isto por uma razão muito simples: no momento que me dissera que iria a esta maratona, confidenciara-me que sempre fora este o seu sonho de atleta: terminar as suas maratonas em Madrid. Pelo prestígio da prova, pelo seu carisma e ambiente envolvente. Disse-me: - "É o sonho de uma vida! E não tenho outra oportunidade! "O Zé não fora sempre atleta da nossa modalidade. Viera do futebol aos 45 anos. Tem hoje 57... e uma vida que daria um livro fascinante. Jogou descalço, porque as "coças" que levava da mãe ao apresentar os estragos da bola nos sapatos domingueiros o incentivavam a isso... e porque o habito de jogar assim faziam-lhe parecer incómodas as botas do futebol. |
No atletismo, já soma seis maratonas, entre inúmeras outras corridas e outros tantos amigos, conquistados pela sua simplicidade. O "Pardelho" foi sem dúvida uma boa companhia na viagem a Madrid.
Chegou 2010. Era altura de pensar um pouco mais a sério nos treinos para Madrid. Para se correr uma maratona é preciso prepará-la com três a quatro meses de antecedência. Estavamos, pois, no timing certo.
Não treinavamos em conjunto, mas fui-me mantendo informado sobre como decorria a preparação dos meus companheiros de viagem. E, pelos vistos, ía bem melhor do que a minha, pois em Fevereiro terminei o meu sonho de poder correr em Espanha. Lesionei-me com gravidade. Mas iria a Madrid, mesmo não sendo para correr.
Quanto ao Zé Costa, esse estava entusiasmadíssimo, pois no início de abril adquirira já um nível de forma que levava inclusivé o Cunha a afirmar que ele bateria o seu recorde pessoal. "Não!... - argumenteva modestamente o "Pardelho" - ... só quero terminar bem a prova...
"Mas todos sabiamos que, bem lá no fundo, ele mantinha uma secreta esperança que aquilo poderia bem suceder! E sabiamos também que, se assim fosse, estariamos perante um homem verdadeiramente feliz!
Chegou 2010. Era altura de pensar um pouco mais a sério nos treinos para Madrid. Para se correr uma maratona é preciso prepará-la com três a quatro meses de antecedência. Estavamos, pois, no timing certo.
Não treinavamos em conjunto, mas fui-me mantendo informado sobre como decorria a preparação dos meus companheiros de viagem. E, pelos vistos, ía bem melhor do que a minha, pois em Fevereiro terminei o meu sonho de poder correr em Espanha. Lesionei-me com gravidade. Mas iria a Madrid, mesmo não sendo para correr.
Quanto ao Zé Costa, esse estava entusiasmadíssimo, pois no início de abril adquirira já um nível de forma que levava inclusivé o Cunha a afirmar que ele bateria o seu recorde pessoal. "Não!... - argumenteva modestamente o "Pardelho" - ... só quero terminar bem a prova...
"Mas todos sabiamos que, bem lá no fundo, ele mantinha uma secreta esperança que aquilo poderia bem suceder! E sabiamos também que, se assim fosse, estariamos perante um homem verdadeiramente feliz!
Depressa chegou a semana do stress! Aquela que antecede a partida. Como mentor da ideia, fui eu o organizador da viagem. Tudo estava definido ao pormenor. Faltava apenas o telefonema da "praxe" para confirmar a hora de saída e o ponto de encontro. E foi isso que fiz, na segunda-feira, dia 21 de abril.
Liguei primeiro ao "Pardelho", porque assim calhou. É provável que todo o ser humano tenha na sua vida, pelo menos um momento de profunda desilusão. Que viva aquela sensação de ver um sonho ruir a seus pés, no momento de se concretizar. Não acredito que haja alguém que não tenha passado (ou venha a passar) por uma situação destas.
Estou assim mais à vontade para me fazer entender sobre a sensação por que passei no momento daquele telefonema... e que teria vivido o Zé uns dias antes.
- "Oh... Castro! Não sabias?!... Não te disseram nada?!"
É aqui que nasce essa angústia. Não sabemos o que se passou, mas adivinhamos que é grave. Que as coisas não estão como gostariamos que estivessem. Como era imperioso que estivessem!
"... Estou de cama! Tive um acidente na fábrica e dei um mau jeito à coluna!..."
A voz do Zé dizia aínda mais que as suas palavras. Enfim... Não soube o que dizer!
Dois dias mais tarde, voltei a ligar-lhe; e desta vez disse-lhe com decisão: "Vivo ou morto quero-te em Madrid!" E assim foi. À hora combinada lá estava ele, coxiando e gemendo, mas estava.Já não iria correr, pelo que já era-mos dois fora de competição!
Liguei primeiro ao "Pardelho", porque assim calhou. É provável que todo o ser humano tenha na sua vida, pelo menos um momento de profunda desilusão. Que viva aquela sensação de ver um sonho ruir a seus pés, no momento de se concretizar. Não acredito que haja alguém que não tenha passado (ou venha a passar) por uma situação destas.
Estou assim mais à vontade para me fazer entender sobre a sensação por que passei no momento daquele telefonema... e que teria vivido o Zé uns dias antes.
- "Oh... Castro! Não sabias?!... Não te disseram nada?!"
É aqui que nasce essa angústia. Não sabemos o que se passou, mas adivinhamos que é grave. Que as coisas não estão como gostariamos que estivessem. Como era imperioso que estivessem!
"... Estou de cama! Tive um acidente na fábrica e dei um mau jeito à coluna!..."
A voz do Zé dizia aínda mais que as suas palavras. Enfim... Não soube o que dizer!
Dois dias mais tarde, voltei a ligar-lhe; e desta vez disse-lhe com decisão: "Vivo ou morto quero-te em Madrid!" E assim foi. À hora combinada lá estava ele, coxiando e gemendo, mas estava.Já não iria correr, pelo que já era-mos dois fora de competição!
Madrid é uma cidade fantástica. Esta ideia recolhe-mo-la mal a avistamos, repleta de luz, na noite em que lá chegamos. Torna-se aínda mais fantástica na altura desse grande evento, que é a sua maratona.
No sábado, antes da prova, tivemos a oportunidade de resperirar aquela atmosfera festiva e contagiante, que não deixa ninguém indiferente. Desse entusiasmo se impregnou o "Pardelho". Sem mais reflexões, muniu-se de uns analgésicos e anti-inflamatórios espanhóis e decidiui, logo ali, que iria iniciar a prova, parando qundo não pudesse mais correr. |
E se bem o disse, melhor o fez!
Com um pequeno almoço ingerido à pressa, pois ficou a dormir até lhe batermos à porta do quarto (espero que ele não leia esta inconfidência!), à hora do tiro ele era um dos 30.000 que inundavam a grande avenida.
"Boa sorte Zé!... Mas tem cuidado! Não abuses!..."Como já referi, não pude correr, o que me permitiu apreciar de outro ângulo aquela magnífica manifestação social. Fiquei a saber o que vivem o público, a organização, os reporteres... enquanto esperam pela chegada do primeiro atleta. Pude ver este... e os que o seguiam - a chegar (o que nunca me acontece quando participo correndo!). Consegui fotografar a chegada do Ribeiro e vi o Cunha à saída da zona do "funil".Depois esperei. Disse ao Cunha que ficaria ali até à chagada do "Pardelho". Posicionei-me à saída da zona que os atletas percorrem, depois de cortar a meta, afim de poder interceptar o Zé, não correndo o risco de um desencontro. Dali ao hotel seriam uns 1500 m.
Continuei a esperar... Mais uma hora... e mais outra. A meta encerrava às 15h00, mas muita gente aínda chegava... menos o "Pardelho"!... Tentei entrar para o procurar nas tendas de massagens, mas a segurança não deixou. Esperei mais...
Eram 15h20. Lá consegui entar. Mas não; o José Costa, de Braga, não tinha sido registado em nenhuma das tendas de pronto socorro.
Preocupado, regressei ao hotel, na esperança que o "Pardelho" já lá estivesse. Nenhum dos meus companheiros atendia os telemóveis. "Será que o homem foi parar ao hospital?..."
Cheguei ao hotel; na recepção já todos me esperavam, junto do amontuado dos nossos sacos de viagem. Todos... menos o "Pardelho"!
Depois de os ter informado sobre as minhas peripécias, decidimos contactar a organização, na tentativa de localizar o eventual hospital para onde teria sido transportado o Zé, eventualmente durante a maratona.
Já abria a carteira à procura do contacto da organização, quando se fez ouvir o alarido dos meus colegas, em coro com os atletas italianos e franceses que ali tinham ficado alojados, e que já estavam a par das nossas aventuras... ou desventuras. Era o "Pardelho"! Vivo e radiante - ou melhor - triunfante!
Com um pequeno almoço ingerido à pressa, pois ficou a dormir até lhe batermos à porta do quarto (espero que ele não leia esta inconfidência!), à hora do tiro ele era um dos 30.000 que inundavam a grande avenida.
"Boa sorte Zé!... Mas tem cuidado! Não abuses!..."Como já referi, não pude correr, o que me permitiu apreciar de outro ângulo aquela magnífica manifestação social. Fiquei a saber o que vivem o público, a organização, os reporteres... enquanto esperam pela chegada do primeiro atleta. Pude ver este... e os que o seguiam - a chegar (o que nunca me acontece quando participo correndo!). Consegui fotografar a chegada do Ribeiro e vi o Cunha à saída da zona do "funil".Depois esperei. Disse ao Cunha que ficaria ali até à chagada do "Pardelho". Posicionei-me à saída da zona que os atletas percorrem, depois de cortar a meta, afim de poder interceptar o Zé, não correndo o risco de um desencontro. Dali ao hotel seriam uns 1500 m.
Continuei a esperar... Mais uma hora... e mais outra. A meta encerrava às 15h00, mas muita gente aínda chegava... menos o "Pardelho"!... Tentei entrar para o procurar nas tendas de massagens, mas a segurança não deixou. Esperei mais...
Eram 15h20. Lá consegui entar. Mas não; o José Costa, de Braga, não tinha sido registado em nenhuma das tendas de pronto socorro.
Preocupado, regressei ao hotel, na esperança que o "Pardelho" já lá estivesse. Nenhum dos meus companheiros atendia os telemóveis. "Será que o homem foi parar ao hospital?..."
Cheguei ao hotel; na recepção já todos me esperavam, junto do amontuado dos nossos sacos de viagem. Todos... menos o "Pardelho"!
Depois de os ter informado sobre as minhas peripécias, decidimos contactar a organização, na tentativa de localizar o eventual hospital para onde teria sido transportado o Zé, eventualmente durante a maratona.
Já abria a carteira à procura do contacto da organização, quando se fez ouvir o alarido dos meus colegas, em coro com os atletas italianos e franceses que ali tinham ficado alojados, e que já estavam a par das nossas aventuras... ou desventuras. Era o "Pardelho"! Vivo e radiante - ou melhor - triunfante!
(...)
Uma das coisas que mais me agrada nesta vida das corridas, e creio que não serei o único com esta opinião, é a partilha da experiência vivida em cada prova. A conversa travada com os amigos no final de cada corrida, em que cada um explica aos outros como correu, o que esteve bem, o que esteve mal, os seus pequenos ou grandes feitos durante essa prova... É delicioso!
Imaginem agora fazer uma viagem de seis horas... a conversar sobre a Maratona! Penso que qualquer enciclopédia iria parecer um simples manual, ao pé do que se poderia escrever sobre uma conversa de seis horas, mantida entre quatro pessoas rendidas à magnífica experiência que foi Madrid!
Como nota final, apenas quero concluir acrescentando duas coisas: A primeira é que o Zé Costa - o nosso "Pardelho", fez a Maratona de Madrid na sua integra, concluindo a prova com 04h53', com uma lesão que o afastará, no mínimo, uns meses, das competições, no pior cenário... definitivamente. Oxalá que não! Terminou a sua sexta maratona, sentindo-se, apesar de tudo, "muito bem". Cumpriu o seu sonho!
A segunda coisa que queria aqui dizer, é que o "Pardelho" quer voar mais alto! Afinal, na viagem de regresso, comemorando connosco o seu 57º aniversário (chegou a Portugal mais velho um ano!), disse aos seus amigos de viagem que quer fazer mais uma maratona, em 2011!...
Uma das coisas que mais me agrada nesta vida das corridas, e creio que não serei o único com esta opinião, é a partilha da experiência vivida em cada prova. A conversa travada com os amigos no final de cada corrida, em que cada um explica aos outros como correu, o que esteve bem, o que esteve mal, os seus pequenos ou grandes feitos durante essa prova... É delicioso!
Imaginem agora fazer uma viagem de seis horas... a conversar sobre a Maratona! Penso que qualquer enciclopédia iria parecer um simples manual, ao pé do que se poderia escrever sobre uma conversa de seis horas, mantida entre quatro pessoas rendidas à magnífica experiência que foi Madrid!
Como nota final, apenas quero concluir acrescentando duas coisas: A primeira é que o Zé Costa - o nosso "Pardelho", fez a Maratona de Madrid na sua integra, concluindo a prova com 04h53', com uma lesão que o afastará, no mínimo, uns meses, das competições, no pior cenário... definitivamente. Oxalá que não! Terminou a sua sexta maratona, sentindo-se, apesar de tudo, "muito bem". Cumpriu o seu sonho!
A segunda coisa que queria aqui dizer, é que o "Pardelho" quer voar mais alto! Afinal, na viagem de regresso, comemorando connosco o seu 57º aniversário (chegou a Portugal mais velho um ano!), disse aos seus amigos de viagem que quer fazer mais uma maratona, em 2011!...
Publicado em: 16/07/2010